terça-feira, 22 de março de 2011

Fora de mim...

Há dias em que parece que estamos fora de nós, a tentar perceber o que se passa naquela curta metragem desorganizada e aparentemente sem sentido que é a nossa vida... sem saber o que queremos que aconteça, o que é espectável, o que é indesejável, as pessoas que queremos por perto e as que não queremos, as que conhecemos de facto e as que não reconhecemos... hoje sinto-me assim e esta película parece de um filme completamente estranho, onde a personagem não sou eu e os outros actores parecem tirados de um qualquer filme bizarro de outros tempos... às vezes não sei o que se passa comigo, nem o que quero que se passe, não sei o que quero, se quero ou como quero, e digo que sim, depois que não e fico-me pelo não sei... deito-me no campo das incertezas respiro fundo e aquele aroma familiar invade-me e sinto-me em casa... pois não retornamos todos a esse campo tantas vezes? Durmo agora num sonho em branco, e sigo sem pensar o caminho automatizado para o qual estou programada... sei que mais passo menos passo chegarei a outra encruzilhada... mas quando lá chegar já terei ido embora daqui e regressado umas tantas vezes, com sorte, na ultima volta farei a escolha acertada, até lá, durmo uma sesta enquanto ouço ao longe os bombardeamentos e as tropas que se movimentam parece que na minha direcção... mas adormeço, é só mais um dia, quando acordar retomo a batalha...


Malucos...

As pessoas do nosso país estão de facto a ficar perturbadas, certamente que lá fora acontecerá o mesmo ou pior, mas o que me salta à vista é o que me preocupa... cada vez se nota um maior desinvestimento nas relações humanas, com investimento proporcional em bens materiais... desta equação resultam pessoas "amotivadas", alexitimicas, desprovidas de competências sociais, e isoladas num mundo de paredes tão rígidas que é extremamente difícil tirá-las de lá...
A educação pública continua numa descida degradante, os pais de uma geração revolucionaria estão a criar pequenas criaturas insuportáveis e alguns irreparáveis, o mundo do trabalho está praticamente parado... de facto não sei onde iremos parar, se ninguém pára todo este ciclo vicioso de auto-destruição maciça da sociedade.

J.

domingo, 20 de março de 2011

Geração à Rasca e afins...

Sobre o ultimo post, com um texto de mia Couto, reflicto... A minha geração irá odiar-me depois disto, mas como o próprio autor diz, nem toda a gente encaixa no perfil rasca, como tal também eu conheço muito gente que está longe de fazer parte deste conjunto... Eu não digo que todo o protesto não tenha algum fundo de verdade, mas a mim parece-me mais uma situação que acontece como agravante do estado deplorável em que o país se encontra, e não, especialmente mau para os jovens. Vocês ouviram bem os testemunhos no protesto? Grande parte das pessoas não sabia muito bem o que estava lá a fazer, aquilo parecia mais uma festa do que uma manifestação, e este tipo de atitudes só veio descredibilizar ainda mais, esta geração que já não é vista com bons olhos, pois são precoces em tudo o que é mau (drogas, alcool, sexo), e preguiçosos e desmotivados naquilo que deveriam ser bons, a nível académico, dadas as condições que existem hoje em dia...
Aliás quando penso na minha vida e naquela que me contava a minha mãe e os meus avós, posso sinceramente queixar-me? E acreditem que não me encaixo propriamente na geração mimada que teve tudo o que quis, não tive, e agradeço à minha mãe por isso, porque tornou-me naquilo que sou hoje, dou suficiente valor ao dinheiro para não o gastar estupidamente, mas também sei que não foi o dinheiro que pagou os melhores momentos da minha vida. E tenho a sorte de ter uma família que me acolhe tão bem quando regresso de fim de semana, e apesar da crise, do preço das propinas e de tudo o resto, ainda vai havendo para dar uma saída ao fim de semana e rever os amigos, às vezes ir ao cinema, ainda que muito espaçadamente... a minha mãe nunca sai para jantares de anos, nem para cinema, nem para bares, e sempre me deu muito mais do que ela teve, na medida certa, e isso faz-me lutar pela vida, como ela fez ao longo da dela e tão bem, sofreu bem mais do que "nós" que estamos à rasca, e nunca a ouço queixar-se, as palavras de ordem em casa são: vais ver que tudo vai melhorar... Eu digo muita vez que não tenho medo de não ter trabalho e que isso não irá acontecer... sabem porquê? Porque mesmo que por algum motivo não consiga arranjar trabalho na minha área, trabalho noutra área que dê dinheiro, seja limpezas, seja em cafés, seja onde for, para nós jovens o TRABALHO ainda não falta, escasseia sim o emprego, para os mais velhos que foram despedidos de fabricas e faziam o mesmo há anos, para eles sim está dificil.
Tenho me esforçado para fazer o melhor possível no curso, e claro que ambiciono conseguir um bom trabalho na minha área, mas para isso tenho noção que tenho que me sujeitar ao que for preciso, e se o primeiro trabalho for precário e pagarem mal, arranjo dois, mas trabalho na área e é preciso é começar... a mim faz-me confusão ver imensos jovens sem trabalho tristemente metidos em casa na NET, ou a ver TV, sem nada para fazer, infelizes porque não arranjam trabalhos, e o que estão eles a fazer por isso? A enviar currículos... A minha vida pode não ser fácil, mas não ponho a culpa no país e no governo e fico à espera que ele a resolva... façam pela vida, trabalhem sejam pro-activos, e mesmo que tenham um trabalho sejam o melhor que conseguirem, a oportunidade da vossa vida pode estar aí e vocês não a vêem porque estão demasiado ocupados a reclamar.

Aos lutadores, que mesmo assim não conseguem arranjar trabalho, não desistam, o vosso esforço será recompensado...

Pensem no que têm na vossa vida, e façam um exercício de catastrofização, que significa pensar no pior que poderia existir, ou seja, imaginem no cenário que podia ser a vossa vida, e digam-me se estão assim tão à rasca.... ainda há pobreza, e esses estão bem piores...

Com respeito a todas as opiniões, ainda estamos em democracia, e esta é a minha...

J.

Mia Couto - Geração à Rasca - A Nossa Culpa

Justificar completamente

"Um dia, isto tinha de acontecer.

Existe uma geração à rasca? Existe mais do que uma! Certamente!
Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo.
Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.
Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.
Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.
Foi então que os pais ficaram à rasca.
Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.
Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.
São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.
São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!
A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas. Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.
Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.
Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.
Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.
Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.
Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.
Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.

Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?
Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como
todos nós).
Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja!, que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.
E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!
Novos e velhos, todos estamos à rasca.
Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.
A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la.
Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam.
Haverá mais triste prova do nosso falhanço?
Pode ser que tudo isto não passe de alarmismo, de um exagero meu, de uma generalização injusta.
Pode ser que nada/ninguém seja assim."