segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A enxugar as memórias da nostalgia...

A nostalgia que se entranha nos locais por onde passámos ao longo da nossa vida é impressionante... o modo como as memorias se entranham neles como em nós, como se partilhassem as mesmas raízes, fixadas nas fissuras daqueles muros que sustentam tantos desses momentos....hoje voltei a sentir tudo de novo, como se de um filme extrasensorial se tratasse, como se ao tocar nas paredes, na terra e nos troncos, pudesse trazer tudo de volta... como se o visse outra vez de volta das suas cabrinhas que lhe obedeciam como a um mestre, e ele parava tudo o que estivesse a fazer por nos ver chegar. Lá ia ele mostrar-nos os chibos novos, se os houvesse, dava-nos a provar as primeiras uvas, ou os morangos que caíam de doces e vermelhos na terra escura, e que depois de um mergulho rápido na água do poço chegavam fresquinhos e verdadeiramente deliciosos à nossa boca. No caminho para casa lá nos deixava experimentar a bicicleta enquanto nos contava uma advinha ou uma outra história qualquer. A avó esperava-nos ansiosa, ralhava por nos demorarmos e chamava-nos para junto da lareira, quando o frio convidava, e nós... amontoavamo-nos em volta do lume na pequena cozinha da qual adorava o cheiro e as feições... hoje pisei a mesma terra que molhei com as lágrimas das saudades que lhes tenho, que tristeza é a de olhar os campos outrora repletos de legumes viçosos e frutas vistosas e sumarentas vazios agora de verduras, de cores e de pessoas, sabendo que nunca poderei sentir outra vez o deleite do reencontro, aquele beijo sincero e orgulhoso, aquele aperto de mão que me fazia "mais mulher"... hoje deixei-me fustigar pela nostalgia da paisagem, por saber que lhe perco aos poucos os significados, que não voltarei jamais a ter as sensações de outrora, por já lhe ter perdido as pessoas que davam sentido às minhas visitas... agora parece-me que me encontro com uma aldeia fantasma, onde restam apenas
as estruturas, as vigas e as telhas caídas e um vazio enorme, que suga um pouco de mim sempre que a percorro... claro que não deixo de reavivar as memórias deliciosas que lhes tenho, e cada visita, ainda que dolorosa, tem o gosto agridoce da recordação do cheiro a lenha pela casa, da salada especial da minha avó, dos pijamas no natal, da nota escondida no bolso para "comprar pastilhas", do sorriso cheio e quente do meu avô, do jogo de cartas que nunca ganhávamos... sei que nunca voltarei a ter nada disso, sei que não os vou visitar outra vez, mas revisito-os em cada negativo que tenho neste role de memórias que me alegro de guardar na minha caixa forrada de papel de embrulho brilhante, e sinto-me afortunada só de pensar que um dia estas duas pessoas maravilhosas fizeram parte da minha vida.

A enxugar as memórias da nostalgia...

J.
http://olhares.sapo.pt/aldeia-do-bispo-penamacor-foto3671081.html

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Espero-te sem te esperar.

Sinto por vezes no meu corpo a falta de qualquer coisa que não sei explicar, uma sensação semelhante àquela que nos trespassa quando vamos de viagem e sabemos que nos esquecemos de alguma coisa... fica como que uma impressão, não sei se entre os dedos se na ponta deles, e permanece um formigueiro, até nos esquecermos que nos esquecemos ou nos conformarmos com termos esquecido... dou por mim a pensar nisso que me falta, nesse vazio que vezes sem conta se instala em mim sem me saber dizer o que quer dentro... acho que me falta algo de novo, uma pessoa nova, um rascunho, um começar de novo com todas as perguntas tolas, com tudo aquilo que há de belíssimo nesse jogo de descoberta, quando o olhar é tão intenso que sabemos não haver erro possível que nos aparte... sinto a falta deste ser que ainda não conheço mas espero ansiosamente que me venha conhecer, que me apanhe desprevenida numa tarde qualquer, que me arrebate com perguntas pseudo-intelectuais, que diga coisas sem sentido, que eu não me importe, que ele queira saber tudo sobre mim, que deixe o café arrefecer na sua chávena a ouvir-me falar, e que tudo lhe agrade enquanto aos seus olhos brilhantes se perdem pousados nos meus. 
Espero-te mesmo nas noites em que sei que não te vou ver, mas nas quais vou pensando em tudo o que iremos viver, todas as histórias que te irei contar e tudo o que quero mostrar-te de mim quando finalmente me encontrares.

J.


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Desabafos depois da meia noite.

Finalmente chegou o tão aguardado e temido descanso... estou naquele limbo que se entra quando se acaba a tese e os afazeres académicos e se aguarda o momento para começar a fase seguinte... a tão temida inactividade chegou, e abriu as caixas e caixinhas guardadas no fundinho das minhas prioridades e longe da meu foco atencional. Guardei tudo em caixinhas, umas para as recordações, outras para os bilhetes dos museus, outra para os talões, outra para medicamentos, outra para as coisas que me dão que eu não sei usar (girl's stuff), outra para coisas que não sei quando vou precisar, outra para as coisas que não sei onde meter, outra para os sentimentos... porque será que esta tende a nunca ficar bem fechada, e como me chateia ver as coisas fora de sitio, ainda que seja apenas uma insignificante "tampa" de uma caixa...
Com algum tempo livre, surge tempo para pensar naquilo que por vezes preferimos não ter tempo para pensar... estou portanto numa fase de revisitar notas mentais e preocupações antigas, outras mais recentes, e fazer a correspondência com os tais sentimentos que guardei na outra caixa, forrada com um estranho papel de embrulho metalizado de há uns quantos anos atrás, que hoje já nem deve ser permitido por fazer mal aos olhos das crianças...
                               revisito-me de tempos a tempos, sei o quanto mudei e ao mesmo tempo tudo aquilo que carrego comigo imperturbável, e nesses encontros, fico deslumbrada com muito do que alcancei, e desiludida com tudo o que não tive, tudo o que não guardei e queria para mim... sinto a saudade das sensações sadias que há muito não me surpreendem, não é dos momentos, esses recordo-os e guardo-os com ternura e afeição, mas das sensações... do calor, das angústias, das incertezas, da irritação, os risos nervosos, o estômago insaciado, do prazer de todas as primeiras vezes, desde que se conhece até se perder tudo... sinto falta de sentir intensamente seja o que seja, sinto-me tantas vezes anestesiada no passar dos dias, numa dormência melancólica que não se espanta com o bater dos pés... e dou por mim a contar as horas que faltam para passar não sei bem o quê, para ser outro dia e já não ser o mesmo em que me dei conta que não sentia nada e me esquecer disso outra vez quando me deito. Antes a tristeza que a melancolia, pois ao menos as lágrimas dão-lhe sentido ou conforto, e na ausência delas, tudo parece apenas uma paisagem árida e sem sol.

Expectante que melhores dias virão sem acreditar neles, para não acreditar demais ou esperar o que não vem.

J.